Na grande maioria dos casos, o bullying escolar pode ser evitado, desde que detectado na raiz e resolvido com ajuda de diversas esferas da comunidade escolar. Mas como perceber os conflitos diários entre estudantes? Quais ferramentas utilizar na criação de um ambiente de convívio saudável? Leia mais e descubra.

bullying-dia-a-dia

Os conflitos em relações sociais dos estudantes são alguns dos problemas mais complicados de se resolver. Quando não detectados, os desentendimentos podem elevar-se ao grau de bullying sistêmico, raridade na Escola Autonomia. Por aqui, desenvolvemos mecanismos ao longo de 30 anos que possibilitaram um ambiente saudável de ensino, ainda que com muito esforço e colaboração do corpo docente e das famílias.

A proximidade entre os estudantes, o corpo docente e o grupo de gestão é um dos fatores chave para a detecção de conflitos. No Autonomia, as salas de coordenação e direção pedagógica estão fisicamente próximas às turmas de todos os setores, nos mesmos andares e com fácil acesso — tanto para os estudantes, quanto para professores. Assim, é mais fácil visualizar quando algum problema relacionado ao bullying escolar acontece.

Mas a proximidade vai além do espaço físico. Desde o início do Autonomia, um dos pilares mais importantes da nossa pedagogia construtivista é a percepção do estudante enquanto pessoa, e não só enquanto número em uma planilha de alunos. Por isso, temos uma rede ligeira e eficaz de detecção de pequenos problemas, para tentar resolvê-los ainda de forma preventiva. Com o olhar cuidadoso e apurado, as situações de conflito e poder raramente se elevam ao status de bullying.

Um dos momentos mais importantes para a identificação de problemas é a troca de turnos. Entre as aulas usuais e o Projeto Transdisciplinar, ou durante o Lanche ou Almoço Estendido, as crianças e adolescentes do Ensino Fundamental estão livres para interagirem como quiserem em seus pequenos grupos. Nesta dinâmica, conseguimos perceber rapidamente quando alguém está deslocado ou quando uma dupla não respeita o limite de outra pessoa. A maldade infantil é um fenômeno real, mas fazemos de tudo para tentar cortá-la pela raiz e evitar o status de bullying escolar sistêmico.

“Qualquer sinal, por mais simples que seja, precisa ser observado. Não deixamos nada debaixo do tapete”, comenta Filipe Gattino, diretor pedagógico. O esforço é evidente: em algumas situações mais delicadas, a relação é direta e regular, com encontros semanais entre os estudantes de um pequeno grupo e a direção da escola. Quando a “pegação no pé” se eleva ao bullying na escola, é porque foi algo muito sorrateiro e sofisticado. Na grande maioria das vezes, os conflitos não passam despercebidos.

Além dos encontros diretos com direção e coordenação, trabalhamos com aulas de regência nas turmas de Ensino Fundamental 2. São encontros semanais de 1 hora/aula, nos quais a pauta são as relações sociais da turma. Como nos construímos enquanto grupo? De que forma podemos pedir ajuda? Há alguma dificuldade de aprendizagem? Quais falas afastam e quais aproximam? O que podemos fazer, juntos, para melhorar?

A ideia é provocar a fala dos estudantes para que eles tenham coragem de se colocar no coletivo de forma assertiva, mas não-violenta. São atividades pequenas, mas efetivas: uma socialização de tarefa, uma rodada de opiniões ou uma caixinha anônima de segredos, que criam um espaço acolhedor e proativo para resolução de conflitos que podem levar ao bullying.

A iniciativa também funciona para espantar os fantasmas da pandemia. Após quase dois anos de convívio somente por telas de computador, as crianças e adolescentes precisam repensar os diálogos umas com as outras. Antes, se ouviam algo que não gostavam, bastava desligar o microfone ou a câmera e pronto: problema resolvido. Agora, precisam encarar os desentendimentos de frente — e aprender a fazer isso sem gerar situações propensas ao bullying.

Outra ferramenta utilizada na Escola Autonomia é a “Conversação”, compromisso dos 7ºs anos durante o Transdisciplinar. Nos encontros, debatemos assuntos relacionados à adolescência: sexualidade, saúde e mudanças corporais, por exemplo. Assim, a informação deixa de ser de um grupo de “poderosos” com mais repertório, e passa a ser compartilhada entre todos. Frequência e temática são ditadas pela própria turma, que percebe suas fragilidades e desafios. Desde cedo, incentivamos a inteligência emocional como forma de combate ao bullying.

É mais ou menos nesta época que problemas com cyberbullying também aparecem. Por isso, uma das iniciativas da escola foi trazer uma jornalista que atua como influenciadora digital — ou seja, alguém amplamente inserido no contexto dos estudantes — para conversar sobre as leis da internet. O convite foi feito pelos professores, que detectaram a necessidade de um bate-papo após comentários atravessados no grupo da turma. Por isso, a importância da formação docente para casos de bullying e outras complicações.

Entretanto, quando percebemos que a escola por si só não dará conta dos conflitos, encaminhamos os estudantes para profissionais “parceiros”. Psicopedagogos e psicólogos infanto-juvenis já conhecidos pela gestão são capazes de resolver dilemas específicos de cada estudante, sejam eles de dificuldade de aprendizagem, problemas de relacionamento ou transtornos emocionais. As parcerias funcionam especialmente bem para as crianças neurodivergentes, que tendem a ter mais obstáculos de repertório social.

Além disso, contamos com a colaboração das famílias na socialização dos seus filhos e filhas, por meio de reuniões de pais e rodas de conversa para discutir os “pepinos” que aparecem no caminho. Muitas vezes, são as próprias famílias que trazem questões ocultas dos estudantes para o conhecimento da escola. A manutenção do ambiente saudável na Escola Autonomia é um esforço demorado, coletivo e integral, mas que vale a pena para combater o bullying.


Cleyton Machado (Coordenador/Ensino Fundamental 2)
Danielle Kives (Professora/Ensino Fundamental 2)
Filipe Gattino (Diretor/ Educação Infantil e Fundamental 1)