Em 2003, a Lei Federal nº 10.639 instituiu a obrigatoriedade do estudo da História da África e dos Africanos, da luta dos negros no Brasil, da cultura negra brasileira e do negro na formação da sociedade brasileira. Entretanto, o tema ainda é tratado como um assunto à parte em sala de aula, trazido à tona somente em datas comemorativas. Mas, então, como combater o racismo por meio da educação?

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O papel da escola na desconstrução do racismo vai além de projetos pontuais. Na Escola Autonomia, entendemos que os conteúdos de cultura africana e afro-brasileira precisam passar por todas as disciplinas, em todos os períodos. Abordar o tema em novembro, mês da Consciência Negra, e esquecê-lo pelo resto do ano não é suficiente para uma postura ativa de combate.

"Precisamos entender a África diante de um novo paradigma na escola. Não é só no 13 de maio e no 20 de novembro que discutimos racismo na escola. Estamos falando de uma ancestralidade orgânica que faz parte da totalidade da educação, e não de fragmentos", explica Evani Barbosa, professora de Artes Plásticas e História da Arte.

Pensando nisso, a escola começou a revisar seu Projeto Político-Pedagógico (PPP). O que antes era um recorte em certas disciplinas — falar sobre racismo estrutural nas aulas de História, em cultura africana nas aulas de Artes — passará a integrar o currículo de forma mais abrangente.

Para 2022, uma das propostas do Autonomia é entrar em contato com lideranças negras em Florianópolis para conversar sobre o PPP. A ideia é que, quanto mais diversa e plural for a participação no processo de readequação curricular, mais a escola cumpre com o papel de combater o racismo.

A inserção de pessoas negras no cotidiano da escola é essencial. Para educar crianças antirracistas, as escolas devem criar exemplos no convívio dos estudantes. Precisamos mostrar que existem pessoas negras em posições de liderança dentro de sala de aula — e fora dela também. Priorizar a contratação de professores negros é um dos caminhos para tornar os espaços cada vez mais diversos. 

No Autonomia, a iniciativa está sendo colocada em prática. O corpo docente ainda é majoritariamente branco, por isso, a Escola buscou coletivos negros de Florianópolis que pudessem ajudar na construção de um banco de currículos exclusivo de pessoas negras. Assim, o papel das escolas na luta contra o racismo torna-se ativo, uma vez que, quando abrirem novas vagas, profissionais negros serão priorizados.

Além disso, buscamos interlocutores para visitarem as aulas e trazerem diferentes pontos de vista. Nos 8ºs anos de Ensino Fundamental, as turmas trabalharam com o livro "Retintas – Quando os pretos e as pretas tiram seus poemas das gavetas", de autores locais, e pudemos conversar diretamente com os poetas do livro. A atividade não foi um projeto, e sim um conteúdo abrangente que tomou conta de múltiplas disciplinas. 

É importante perceber que, apesar do tema racismo ser complexo, ele deve aparecer desde o início da educação escolar, para que não se torne um tabu logo na primeira infância. Como trabalhar o racismo na Educação Infantil? Ora, como trabalhamos tantas outras questões sociais.

"No Infantil, a gente não trabalha diretamente sobre História da África e cultura africana como é trabalhado no Ensino Fundamental e Médio. Trabalhamos com noções de respeito, empatia e diversidade, por meio de livros e construção de diálogos. O grande caminho é entender que somos todos diferentes, e é dentro disso que o mundo é construído. Não podemos esperar que as crianças tenham contato com os problemas do racismo só no fim da escola.", expõe Mariane Furtado, auxiliar de Educação Infantil.

Um exemplo recente foi o trabalho "Tons das nossas peles", feito por crianças de 4 anos. A partir das cores dos pássaros na natureza da escola, a professora iniciou um debate sobre os tons de pele da turma. Como as crianças se enxergam? Como veem o outro? A ideia aqui não é afirmar que somos todos iguais, e sim entender, desde cedo, nossas diferenças e o motivo pelas quais elas existem. Este é o papel da escola na desconstrução do racismo.

Além disso, é preciso compreender que um ensino antirracista não é responsabilidade somente da escola. É evidente que, quando educadores trabalham o assunto com regularidade, estudantes estão mais propensos a contribuirem para a luta contra a discriminação étnico-racial.

Entretanto, o papel da família na educação é essencial para que as crianças cresçam com noções de diversidade, respeito e valorização da cultura afro-brasileira. Acompanhar os assuntos tratados na escola, incentivar o consumo de conteúdos feitos por pessoas negras e conversar abertamente sobre o tema são algumas das atitudes que as famílias podem adotar no combate ao racismo estrutural. 

O esforço é árduo e coletivo, mas vale a pena para uma construção mais justa e solidária da sociedade.


Evani Barbosa (Professora/Artes e História da Arte)
Mariane Furtado (Auxiliar de Sala/Ensino Infantil)