Na Escola Autonomia, o Projeto Transdisciplinar é uma das atividades que mais trabalha com desenvolvimento humano em estudantes do Ensino Fundamental. Para além da sustentabilidade e do contato com a natureza, a disciplina ensina, na prática,  competências socioemocionais necessárias para navegar no século XXI.

transdisciplinar

As disciplinas "clássicas" das escolas não dão conta de uma formação integral dos estudantes. É evidente que precisamos aprender matemática, literatura ou biologia, por exemplo, mas onde os alunos criam repertórios que extrapolam a sala de aula? Onde podem resolver conflitos e trabalhar em grupo com protagonismo e ações aplicáveis?

Na Escola Autonomia, a resposta apareceu a partir da criação de uma nova disciplina: o Projeto Transdisciplinar. As atividades acontecem há mais de 15 anos em um espaço verde planejado, com sala de convivência, hortas e canteiros à disposição da escola. O "Trans" é um local de experiências para turmas de 4ºs a 7ºs anos do Ensino Fundamental no contraturno, no qual os estudantes desenvolvem projetos diferentes dos praticados na sala de aula.

A disciplina semanal é dividida em três principais eixos de desenvolvimento humano: tecnologia, cidadania e sustentabilidade, consideradas habilidades essenciais para o século XXI. Seja entre crianças ou adultos, ler e escrever ou saber como efetuar contas já não é mais suficiente para navegar em um mundo cada vez mais conectado.

Por isso, o Transdisciplinar valoriza competências socioemocionais, trabalho em equipe e capacidade de empreender projetos. No eixo tecnologia, os estudantes apropriam-se de mídias: produzem fotografias, blogs, vídeos e outros materiais de rede global. No eixo cidadania, assimilam valores democráticos, sociais e comunitários. Já no eixo sustentabilidade, lidam principalmente com princípios de permacultura, ou seja: aprendem a trabalhar com a natureza, e não contra ela.

Todas as atividades costumam ser voltadas para questões ambientais: bioconstrução, cultivo de hortas, produção de materiais sobre plantas e confecção de artesanato, por exemplo. Usamos o amplo espaço da escola a nosso favor, não só para o bem-estar das crianças, mas para criar verdadeiros ambientes de educação integral.

Com tais elementos, trabalhamos para formar grupos mais coesos e humanos mais solidários. Todo projeto efetuado no Trans resulta em algum produto prático, seja ele social, lúdico, exploratório ou comunitário. Se os estudantes vão aprender sobre pegada ecológica, por exemplo, não ficam só na teoria. Plantam árvores, cuidam de canteiros e reciclam materiais para entender nossos vestígios. Assim, a construção do conhecimento é completa.

É importante notar que tudo é coletivo na disciplina. Não há a "minha" árvore ou o "seu" canteiro, já que todos podem intervir — até a própria natureza, com suas chuvas torrenciais e dias de sol a pino. Dessa forma, o diálogo torna-se um dos maiores aliados do desenvolvimento humano do Trans. Os projetos são pensados coletivamente e as turmas mais velhas ensinam práticas colaborativas às mais novas, já que misturamos faixas-etárias para potencializar a conexão entre os estudantes.

Por serem atividades coletivas, nem sempre todos estão em acordo. Por isso, muitos dos conteúdos da disciplina surgem justamente dos conflitos de grupo. A partir de problemáticas reais do cotidiano escolar, cria-se a base para discussão de cidadania, solidariedade e conexão — as tais competências socioemocionais do século XXI.

Outro ponto positivo é o protagonismo dos alunos e alunas. Ao trabalhar assuntos diretamente vinculados ao cotidiano das turmas, colocamos os estudantes como atores da disciplina. São eles que sugerem dinâmicas e colocam a mão na massa, aprendendo a utilizar ferramentas "de gente grande" e construindo casinhas, canteiros e escorregadores, por exemplo.

A organização do Trans possibilita uma formação integral e participativa das crianças, por meio de projetos de ampla abrangência — tanto no tamanho em si, quanto na extensão que é aprendido. São conceitos de geografia, sociologia e matemática, por exemplo, mas principalmente de valores humanistas e comunitários.

Assim, dizemos que o Projeto Transdisciplinar não é a integração de disciplinas, e sim o que perpassa todas as disciplinas. Com um repertório diferente do aprendido na sala de aula, as crianças conseguem atingir o desenvolvimento integral na escola.

E não só capacitam-se em diversas áreas do conhecimento, como gostam muito. Não é raro que os estudantes retornem ao espaço do Trans com a nostalgia de quem gostaria de continuar trabalhando com a natureza. No fim, é isso que almejamos em qualquer projeto na escola: memórias afetivas positivas com formação integral e desenvolvimento humano.


Filipe Gattino (Coordenador/Educação Infantil e Fundamental 1)
Priscila Colombo da Luz (Professora/Transdisciplinar)
Pryscila Silva Queiroz (Professora/Transdisciplinar)